carregando...

Notícias

CORREIO BRAZILIENSE
18 de julho de 2025

EUA preparam nova ofensiva comercial contra o Brasil

Documentos do governo Trump trazem acusações contra a prática comercial no Brasil, consideradas injustas por estarem prejudicando empresas norte-americanas de tecnologia

Foto: Isac Nóbrega/PR

Por Rafael Gonçalves

O governo dos Estados Unidos intensificou suas críticas ao Brasil por supostas práticas comerciais consideradas “injustas”. Em documento que deve ser publicado nesta sexta-feira no Federal Register — o diário oficial norte-americano —, o Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) aponta que políticas brasileiras estariam prejudicando empresas de tecnologia americanas, cerceando a liberdade de expressão e criando obstáculos à inovação.

Entre os principais alvos estão decisões judiciais brasileiras e regulações no ambiente digital. O texto cita especificamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o uso de ordens judiciais “secretas” que, segundo o USTR, afetam diretamente plataformas digitais dos EUA. “Cortes brasileiras emitiram ordens secretas instruindo empresas americanas de redes sociais a censurar milhares de postagens e desativar contas de dezenas de críticos políticos, incluindo cidadãos dos EUA, por discursos legais em solo americano”, afirma o documento.

Para o advogado Gustavo Cavalcante Zilli, mestrando em Direito Internacional pelo escritório Callado, Petrin, Paes e Cezar Advogados, a investigação contra o Brasil com base tem um componente político evidente. “O elemento político na decisão de iniciar uma investigação contra o Brasil é nítido”, destaca.

A investigação foi aberta com base na Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, de 1974. Entre as práticas comerciais consideradas “desleais”, o documento destaca as disputas judiciais entre o governo brasileiro e plataformas digitais dos Estados Unidos. “A investigação da Seção 301 do USTR responsabilizará o Brasil por suas práticas comerciais desleais e garantirá que as empresas americanas sejam tratadas de forma justa”, afirma o texto.

“É significativo que essa menção venha junto à referência ao julgamento do STF, que trata da responsabilidade das plataformas digitais. As big techs não são apenas pilares da economia americana, mas também instrumentos de soft power global e grandes detentoras de dados pessoais de valor imensurável”, ressalta o especialista. Para os Estados Unidos, essas decisões aumentam o risco de prejuízo econômico às empresas e impõem limites à liberdade de expressão — inclusive de cunho político.

O advogado também aponta que a forte presença das plataformas digitais no cotidiano brasileiro pode estar na raiz da preocupação americana. “O Brasil tem um engajamento massivo nas redes sociais, com centenas de milhões de consumidores. Isso, por si só, já desperta atenção do governo dos EUA”, diz.

Pix 

O relatório também critica o que classifica como favorecimento a soluções locais no setor de pagamentos digitais. Sem citar diretamente o Pix, o texto se refere ao “favorecimento de serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo” em detrimento de concorrentes internacionais, o que, segundo o USTR, configura uma prática comercial injusta.

Para o economista Otto Nogami, professor do Insper, a preocupação americana não está relacionada à eficiência ou aos benefícios do Pix para os brasileiros, mas ao impacto do modelo estatal sobre empresas privadas, especialmente as estrangeiras. “A reclamação não questiona o sucesso do Pix no Brasil, mas sim o fato de que ele é um sistema estatal altamente competitivo, o que pode afetar o ambiente de negócios para empresas privadas”, afirma.

“O Pix foi desenvolvido e é operado pelo Banco Central do Brasil, uma entidade governamental. A preocupação é que um sistema com adesão massiva e transações de custo muito baixo ou zero possa desfavorecer empresas privadas, incluindo americanas, como bandeiras de cartão de crédito e processadoras de pagamento, que baseiam seus modelos em taxas de transação”, explica.

Segundo o economista, a rápida migração de usuários para o Pix já afeta diretamente a receita e a participação de mercado de empresas que atuam com meios de pagamento tradicionais. “Há uma perda real de volume de negócios, o que impacta as receitas dessas companhias, muitas delas americanas.”

Nogami também destaca que o protagonismo do sistema público pode ser visto como uma barreira à entrada ou à expansão de soluções estrangeiras. “Existe a percepção de que as condições do mercado brasileiro estão se tornando menos equitativas para novas tecnologias, justamente pela força e pela onipresença do Pix”, avalia.

Outro ponto levantado pelas autoridades americanas são as regras brasileiras de proteção de dados e infraestrutura tecnológica. “Ainda que o foco não seja diretamente o Pix, o ambiente regulatório como um todo é apontado como um entrave para empresas dos Estados Unidos que precisam processar dados ou oferecer serviços hospedados em servidores americanos”, diz.

Para Nogami, no fim das contas, o embate é comercial. “O Pix representa uma ameaça concreta à intermediação financeira tradicional, e isso pode reduzir significativamente a receita das instituições financeiras americanas”, conclui.

Dados

Outra preocupação levantada está relacionada à proteção de dados no Brasil. De acordo com o documento, o país impõe “restrições excessivamente amplas” à transferência internacional de dados pessoais. Essas barreiras, segundo os EUA, dificultariam a oferta de serviços digitais no Brasil e aumentariam os custos de conformidade para empresas americanas.

Para Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM e especialista em Direito Digital, as críticas são infundadas e revelam uma motivação mais política do que jurídica. “Rotular a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) como uma ‘barreira desleal’ ignora que ela se aplica de forma igualitária a todas as empresas, nacionais ou estrangeiras. Trata-se de um instrumento legítimo de proteção de direitos fundamentais e de soberania digital, alinhado às melhores práticas internacionais”, afirma Crespo.

O especialista também alerta para os riscos de o Brasil ceder a pressões externas em temas sensíveis como a proteção de dados. “É preciso manter uma posição firme. A privacidade dos cidadãos não pode ser tratada como moeda de troca em disputas comerciais.”

O processo de concessão de patentes também entra na lista de críticas. O USTR aponta que o tempo médio para análise de patentes no Brasil é de quase sete anos, chegando a 9,5 anos em casos de medicamentos aprovados entre 2020 e 2024. Essa morosidade, segundo o relatório, compromete a vigência das patentes e reduz os incentivos à inovação, especialmente no setor farmacêutico.

Embora apresente fundamentos técnicos, a advogada criminalista Amanda Silva Santos, do escritório Wilton Gomes Advogados, também considera que a apuração feita pelos Estados Unidos carrega um “componente político significativo”. Segundo ela, a Seção 301 é uma ferramenta que permite ao governo americano investigar e retaliar países que consideram estarem adotando práticas comerciais desleais ou que prejudiquem os interesses econômicos dos EUA. No caso brasileiro, o foco estaria em barreiras enfrentadas por empresas americanas no país.

Para mitigar os efeitos da medida, a advogada defende o caminho da diplomacia. “O Brasil deverá buscar uma negociação formal com os representantes do Comércio dos EUA para evitar sanções mais severas”, afirma. Caso não haja consenso, segundo ela, o governo brasileiro poderá recorrer à Lei da Reciprocidade Econômica ou até acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC).

(Com informações de Agência Estado)

https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/07/7203994-eua-preparam-nova-ofensiva-comercial-contra-o-brasil.html

Conteúdo relacionado